foto de Joaquim Araujo na Casa das Rosas
Fernanda Maria Bueno de Almeida Prado,
conhecida como Fernanda de Almeida Prado, psicóloga, psicanalista e produtora
cultural. Sou idealizadora e diretora do projeto sarau “Chama Poética” que
existe desde 2004, um evento que une a poesia a várias expressões artísticas e
acontece mensalmente na Casa das Rosas Espaço Haroldo de Campos de Poesia e
Literatura e em vários espaços culturais. Cursei psicologia na Unesp de Assis e
realizei minha formação psicanalítica no Instituto Sedes Sapientae. Desde muito
cedo soube da importância e do valor das palavras, herdando igualmente de meus
pais o interesse pela psicanálise e literatura, em especial a poesia. Recebi
influência em minha formação literária de meu pai, Antônio Lázaro de Almeida
Prado que é escritor, poeta, crítico literário e professor de Teoria da
Literatura e Literatura Comparada (professor fundador da Unesp de Assis -
aposentado como professor emérito). Sou uma leitora assídua de poesia, tenho
gosto especial pela poesia declamada, costurada delicadamente com músicas
autorais. Tenho realizado um trabalho de garimpo e sinto enorme alegria
dirigindo meu projeto artístico, principalmente por conviver com variados
artistas de todas as gerações. Além de meu trabalho com o projeto Chama Poética,
sou idealizadora do Festival da Palavra que acontece anualmente na Unesp de
Assis. Tenho 2 filhos, Daniela e Gabriel e 2 netinhas, Alice e Teresa.Atualmente
meu filho, que é músico, cantor e compositor, me auxilia na produção do Chama
Poética e do Festival da Palavra.
com Antonio Candido, Frederico Barbosa e meu
filho,
Gabriel no jardim da Casa das Rosas
"Sigo ocupando meus dias. Nada que faça me
distrai da tristeza que me habita. Ser triste se tornou uma espécie de última
pele. Palimpsesto escancarado. Me dói o rio destruído. A criança dormindo na rua
abraçada em seu cachorro. A beleza da música de meu filho. A alegria de minha
neta. Minha filha parindo. Meu pai envelhecendo. Rosa me ensinando sobre o amor
por seu filho. Cada despedida diária. Cada encontro diário. O tempo que nos
traga. A vida que nos leva. A ausência de minha mãe cada dia mais presente. A
presença de meus filhos. O amor de Dani e Leandro. Presente. Alice. Teresa. Vida
presente. A vida me dói. A distância de pessoas que amo cada vez mais longa. A
beleza me salva. Meus amigos perderam seu filho. Ele se matou. Não conseguia ir
até eles. Como dizer alguma palavra de conforto? Consegui. A amizade nos salva.
Invento a alegria diariamente. A alegria nos salva. O palhaço que mora em mim me
salva. Sigo acreditando na alegria. Incrível. A vida não é séria. A vida me
salva."
Fernanda de Almeida Prado
BAP1: “Não me sinto poeta na escrita, mas na sensibilidade”; nós que
admiramos seus escritos, discordamos desta afirmação, mas ponderamos: sua
poesia teria abandonado um elaborado projeto de linguagem, para simplesmente
fluir de um processo histórico e inconsciente de poeta?
Fernanda
A. Prado: Acredito que sim, e que tenho feito este
trabalho mais elaborado, de outras maneiras, primeiro na escuta de meus
pacientes, pois acredito que a escuta analítica é também um ato poético e em
seguida na direção e construção de meus projetos artísticos, onde exercito
minha sensibilidade exaustivamente. Ainda não me empenhei com o mesmo afinco
para a escrita. É um processo que se constrói vagarosamente dentro de mim.
Talvez em algum momento eu acabe me entregando aos riscos e delícias deste
trabalho.
BAP2: O sarau “Chama Poética” existe desde 2004, mais de uma década, o que já
sinaliza o sucesso do espetáculo. Seria possível citar três eventos que tenham
sido particularmente marcantes?
FAP: Difícil citar apenas
três, eu poderia citar inúmeros eventos que marcaram nossa história e nossa
vida.
Como é sabido,
meu projeto teve início com o meu trabalho de agente literária de meu pai, por ocasião do lançamento de Ciclo das Chamas e outros poemas, em
2004, neste evento e em muitos que organizei com a poesia de meu pai, pudemos
multiplicar encontros, reencontros e muitas parcerias de compositores e poetas
começaram ali. Vivemos a oportunidade rara de ver e ouvir os poemas musicados
por vários compositores, como Ozias
Stafuzza, Lula Barbosa, Irineu de Palmira, Natan Marques, Jean Garfunkel, Wimer Botura, Guca Domenico,
Elio
Camalle e Amaral Viera. Isto foi delineando em mim o caminho que desejava
seguir em meus projetos, privilegiando na maior parte do tempo a costura da
música autoral com boa poesia. Desejei e
consegui, transitar sempre entre a
construção do novo e a retomada insistente daquilo que nos antecede, da poesia
que fez e faz parte da minha formação.
Outro poeta que
faz parte da minha vida, meu amigo querido, o poeta Thiago de Mello, realizei alguns eventos com a poesia e presença
dele. Cito, por exemplo, os lançamentos dos livros: Amazônia, pátria das
águas, Poetas da América de canto
castelhano e Acerto de contas. Foram ocasiões importantes para mim e para todos
que tiveram a oportunidade de compartilhar destes momentos raros e
inesquecíveis.
E ainda, outro
encontro histórico, encontro, que nomeei como “Memórias da noite Paulistana”,
onde recebi o compositor Paulo Vanzolini e o Sr. Ernesto Paulelli ( o Arnesto
do samba de Adoniran Barbosa).
Foi uma noite memorável, com público acolhendo meus convidados, com muita
alegria, era como se todos nós estivéssemos recebendo um presente naquele
momento. Foi único e mágico. Indescritível.
Eu poderia citar
uma infinidade de nomes de nossa literatura que participaram destes encontros,
mas faço menção apenas ao nome do crítico literário, Antônio Candido, que é amigo de meu pai a mais de 70 anos, e eu
tive o privilégio de conviver com ele durante minha vida. Realizamos um
encontro público, na Casa das Rosas, com mediação minha e do poeta Frederico Barbosa.
BAP3: O “Chama Poética” possui singularidades em relação a outros saraus
convencionais, nos quais, em geral, apenas se recitam poemas. Você nos poderia
falar sobre como se dá o processo da conexão entre récita e música, que
acontece no “Chama Poética”?
FAP: Aprendi muito sobre produção artística, assistindo, desde minha
infância, as Noites de Música e Poesia, que meu pai organizava na UNESP de
Assis. Penso que fazer arte exige de nós além da aptidão e sensibilidade, muito
empenho. Não vejo o “Chama Poética” como
um sarau “livre”, aberto a participação espontânea, mas sim como um espetáculo,
previamente pensado para criar encantamento com a força da música e palavra poética. Este processo se dá com estudo, criação de
roteiro, construção de uma delicada costura entre as músicas e a poesia
declamada e quantos ensaios forem necessários para garantir uma bela
apresentação. Interessante notar o quanto a vida é circulação e renovação, pois
se de um lado, aprendi muito observando meu pai, hoje tenho aprendido muito com
meu filho, Gabriel de Almeida Prado, que é poeta, músico e compositor e traz
seu conhecimento e experiência para dividir comigo a direção do Chama Poética.
BAP4: O Festival da Palavra passou a existir desde quando e em que
aspectos se distingue do “Chama Poética”?
FAP: Em 2010 realizamos o primeiro Festival da Palavra na UNESP de Assis
e temos realizado desde então, anualmente. Ele se distingue do “Chama Poética”
na variedade de atrações que conseguimos apresentar em dois dias de Festival.
Divido a direção deste Festival com a direção da Unesp, sempre escolhemos e criamos uma programação
dentro de um tema proposto. Realizamos oficinas, debates, apresentações
de artes plásticas, fotografias, danças, atores, palhaços, etc...
O Festival da Palavra é uma espécie de
virada cultural dentro da universidade.
São dois dias que fazem muita diferença na formação dos alunos e do
público de fora também.
BAP5: Tendências, estilos, tribos ou “famílias poéticas”, como se projetam os caminhos da poesia
contemporânea ?
FAP: Pergunta difícil. Toda leitura é parcial e o novo não cessa
nunca...
Posso falar dos poetas contemporâneos que
eu tenho acompanhado mais de perto. Sou uma leitora assídua de poesia. E a
poesia me toca ou pelo trabalho com as palavras ou por alguma coisa que não tem
muita explicação, a beleza na construção poética, no ritmo ou o tema
abordado. Cito alguns nomes que tenho
lido, com alegria: Edson Cruz, Luís
Augusto Cassas, Alexandre Bonafim, Ana Vidal, Raiça Bonfim, Paulo César
Carvalho, Iracema Macedo, António Vilhena, Luís Serguilha, Nuno Júdice, Carmen Pressoto, Flora Figueiredo, Susanna Busato, Cel Bentin, Paulo Andrade,
Cláudio Willer, Frederico Barbosa,
Eduardo Lacerda, Donny Correia, Vlado Lima, Moacir Amâncio, Leila Míccolis e
Vera Lúcia de Oliveira. A lista é interminável, mas estes são os poetas que
me lembrei neste momento.
Além dos poetas citados, gostaria de dizer
quem são os poetas da minha “vida”, meu pai, o poeta Antônio Lázaro de Almeida Prado, o poeta Thiago de Mello, Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Carlos Drummond de
Andrade, Manoel de Barros, Manuel Bandeira, Sophia de Mello Breyner Andresen,
Hilda Hilst, Mario de Andrade, Adélia
Prado, Emilio Moura, Murilo Mendes, etc..., poetas que me fazem companhia
sempre.
BAP6: Sobre a influência da mídia moderna (principalmente a internet) na
poesia, ela estimula ou banaliza a criação?
FAP: A influência pode ser
positiva e negativa, na verdade, acho que faz as duas coisas ao mesmo tempo, em
algumas situações é um bom estímulo, e em outros momentos banaliza. Devemos nos
atualizar, nos manter abertos ao novo e à internet abre espaço para descobertas, que antes eram
de difícil acesso, no entanto percebemos também um uso inadequado,
principalmente em citações sem respeito
ao autor ou erradas, um risco permanente
de plágio e desrespeito pela criação.
BAP7: A poesia de seu pai, Antônio
Lázaro de Almeida Prado, obteve o reconhecimento de nomes consagrados como Thiago de Mello e Antonio Cândido. Porém, ele demorou a torná-la pública. Seria
possível revelar a nossos leitores a razão desse cuidado?
FAP: Meu pai escreveu sempre, desde muito jovem, mas não se preocupou em
publicar sua poesia. Ele se ocupou com a vida universitária, com artigos
acadêmicos e alguns poemas foram publicados nas revistas da Unesp e nos jornais
de Assis. Eu acabei tomando para mim
esta missão, depois de muito insistir para que ele publicasse. Thiago de Mello
deu uma bronca nele, dizendo que a poesia dele não poderia ficar escondida
durante tanto tempo e fazendo a ele a mesma pergunta que você me fez. Foram pastas e pastas de poemas perdidos e
foi difícil escolher, pois ele não publicou ainda nem a metade do que escreveu.
Contei com a ajuda do poeta Luís Antônio
de Figueiredo na ocasião da publicação de “Ciclo das Chamas e outros poemas”. Acredito que herdei de meu pai
este pudor e talvez este seja o motivo
para que eu não me dedique mais ao trabalho literário.
BAP8: Como você vê a representação do feminino e a mulher no contexto da
poesia atual?
FAP: Seguimos lutando por nossos direitos, por respeito ao nosso
pensamento, desejos e necessidades. Já desbravamos alguns sertões, mas ainda
temos um longo caminho a trilhar. A poesia feminina é uma conquista importante
e necessária para dar voz ao nosso pensamento, palavras e sentimentos. Nossa
palavra tem força e poder transformador.
Tenho acompanhado o projeto de pesquisa do
poeta Rubens Jardim sobre as mulheres
brasileiras na poesia contemporânea e é surpreendente o número de poetas que
ele garimpou em todo Brasil. Cito algumas poetas contemporâneas que admiro a
força e beleza das palavras: Iracema
Macedo, Raiça Bonfim, Susanna Busato,
Leila Míccolis, Socorro Lira, Mar Becker, Ale Safra, Vera Lúcia de Oliveira,
Marina Colasanti.
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Entrevista
realizada pela equipe do BAP.
Chris Herrmann, Adriana Aneli e Ricardo Alfaya
Parabéns, Fernanda, pelas execelente entrevista. Sempre muito interessante a iniciativa do BAP e seus convidados.
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