por Júlio Damásio
O aroma está impregnado no livro Amor expresso (Scenarium, 2015),
pois Adriana Aneli, na medida exata, filtrou seus minicontos até deixá-los com
um delicioso sabor.
Tem cafezinho rápido, que sela uma
nova amizade, outros servidos para um breve bate-papo entre amigos... e há os
cafés amargos das lembranças doces. Não importa se a bebida está na mão, na
mesa ou no balcão, o café não será coadjuvante, sempre terá participação
especial nos enredos da autora. Nada de café malfeito para justificar a
proposta: a poesia se mistura ao café. Na obra de Adriana, os espaços, sejam
eles sociais ou reclusos, remetem-nos a constantes transformações, ambientes
coletivos, públicos ou visceralmente solitários, e que oferecem ao leitor
janelas para a vida pulsante.
Aqui temos o processo de mutação – ora
possível, ora inimaginável – criando histórias que podem ocorrer neste exato
momento e em qualquer lugar onde a vida humana se faça presente. É essa a
genialidade que torna a literatura universal: um olhar que revela fatos tão
humanos e reais, quanto despercebidos, como no conto que dá título ao livro,
“Amor expresso”, onde a solidão alia-se à perspectiva de liberdade, ao mesmo
tempo em que a personagem anseia pelo retorno a uma nova promessa de amor.
Posso aqui me utilizar do que o
cronista precursor da literatura homoerótica, João do Rio, tão bem definiu em
sua obra “A Alma Encantadora das Ruas”, na crônica “A rua”... a expressão “flâneur”:
“flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da
observação ligado ao da vadiagem, perambular com inteligência, ter na mente dez
mil coisas necessárias, imprescindíveis, que podem ficar eternamente adiadas”.
Pois é exatamente isto que a autora nos oferece, um flanar, o transitar pelas
facetas humanas, suas alegrias, dores, arrependimentos...
Em “O milagre do pão”, temos a ânsia
impregnada por mais e mais encontros que, na verdade, nunca se realizam: uma
padaria onde o momento é suficiente para recuperar o fôlego necessário para
enfrentar o ritmo urgente e solitário da urbe. Em seguida, flanamos pelo
escritório, assistimos ansiosos ao café de colegas que se desejam, somos
testemunhas dos breves encontros de vizinhos de apartamento, ou nos deparamos
com a faceta capitalista ávida pelo lucro, a invisibilidade social, o recomeço
possível despertado por uma xícara de café com leite, a decisão entre a vida e
a morte.
Nesta pluralidade de ambientes, uma
cantiga de roda pode nos conectar à contemporaneidade, como no conto
“Teresinha”, um menu entre possíveis pretendentes em que o café define a
escolha; em “A metáfora das asas” estamos diante do que Michel Foucault tão bem
definiu: “Vigiar e punir”. Personagens que, dentro do esquema de punições
exacerbadas, ainda encontram o caminho para se reumanizar. Em o “Pescador de
ilusões”, somos confrontados pela figura de um mendigo e a constatação de que
uma xícara de café tão banal – nossa rotina de colocar água para ferver,
ligar a cafeteira, ou ainda moer os grãos – pode ser, para outros, um desejo
que só será saciado na bondade de alguém. É a vida frenética e frívola
transformando seres humanos em seres invisíveis que, muitas vezes, valem-se de
um ato de loucura emergencial (“Sem dor, sem ganho”) para voltar a ser notados.
Entre os autores que apresentaram a
versão moderna do conto estão Tchekhov e Katherine Mansfield, que em sua
proposta abrem mão do final surpreendente e da estrutura fechada; trabalha-se a
tensão de duas histórias, sendo uma oculta, sem a necessidade de resolvê-la,
deixando ao leitor a missão de desvendá-la por sua imaginação. Adriana, ainda
que sintonizada nessa corrente, não deixa de nos brindar com desfechos
surpreendentes em seus contos. Em seu primeiro livro individual de prosa e com
as mãos calejadas de poesia, a escritora se apresenta com a maestria de uma
veterana no gênero. Os títulos dos minicontos fazem alusão a músicas, poemas ou
filmes: repertório de lembranças onde o café faz as honras de um estudo poético,
documentado por meio de histórias que abordam as experiências humanas através
da ótica “cafeilística”.
Sua escrita, ora impactante, ora
sugestiva, agradará facilmente as exigências dos leitores, despertando olhares
atentos e aguçando a imaginação, sem, em momento algum provocar sonolência:
cafeína e literatura das boas.
Os escritos de Adriana Aneli, passados
no coador da sensibilidade, deixam-nos ávidos por um pouco mais de
humanidade... regada ao sabor inigualável de um bom café!
Júlio Damásio é escritor, sociólogo, ministrante de palestras de incentivo à leitura e de oficina de escrita criativa.
Amor expresso
Lançamento:
Sábado 21 | 11 |
15 às 16h
na
Starbucks
(Alameda Santos,
1054, SP)
Pré-venda pelo site da Scenarium:
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