Tchello d'Barros dedica-se desde 1993
às linguagens de Literatura, Artes Visuais e Cinema, tendo iniciado sua
carreira em Blumenau,SC. Catarinense nascido em Brunópolis, residiu em 14
cidades no Brasil, além de ter percorrido 20 países em constantes atividades
culturais. Atualmente encontra-se no Rio de Janeiro, onde cursa a faculdade de
Audiovisual, na UFRJ. Publicou 6 livros, participou de mais de 100 exposições e
colabora regularmente com publicação de artigos, contos, poemas e crônicas em
diversas mídias, digitais e impressas. Coordena a exposição itinerante de
poesia visual “Convergências”. Eventualmente ministra oficinas e palestras,
participando também de mesas-redondas, júris, editorias, curadorias, saraus e
diversas atividades culturais no Brasil e exterior.
BAP1: Com tantos saraus e eventos culturais surgindo pelo Brasil afora, como
você enxerga o panorama artístico atual?
Tchello d’Barros: Vejo
com bons olhos, pois o que tem sido produzido atualmente em nosso país, em
todas as vertentes culturais, responde muito mais as poéticas autorias
propriamente ditas, do que uma necessidade de lutar contra a ditadura, o que
norteou muito da produção artística de uma ou duas gerações anteriores. É o que
se percebe nos inúmeros editais e festivais que pipocam a cada instante e cada
vez mais fora do eixo Rio-Sampa. Sem dúvida que existem novas demandas e
bandeiras, e espaço para engajamentos sem panfletagens. Mas observo que
acabamos de passar por três fortes modulações sociais ainda muito recentes,
como a passagem para a pós-modernidade, a globalização e a era digital. Ainda
não sabemos lidar muito bem com isso tudo e com os impactos na sociedade
contemporânea, mas é até sintomático que nesse tempo de relações tão virtuais,
pessoas se encontrem para a abertura de uma exposição, para ouvir uma
apresentação musical acústica ou realizem saraus para fruir poemas diretamente
da boca dos poetas. Somente aqui no Rio de Janeiro, onde vivo atualmente,
acontecem mais de 30 saraus na capital e região metropolitana. Participo como
“residente” no Um Brinde À Poesia,
coordenado pela trepidante Lucília Dowslley e como “visitante” em diversos
outros, conforme a agenda permite. Que surjam muito mais eventos de arte!
Saraus: crescei e multiplicai!
BAP2: Ao conhecermos a sua biografia, nos deparamos
com uma extensa lista de projetos já realizados. E, assim, surge a dúvida quais
os sonhos e metas que ainda faltam ser alcançados?
Td’B: Talvez não seja exagero
mencionar que o indivíduo mencionado na pergunta já está na estrada há um bom
tempo... Lembro que em 1.993 publiquei meus primeiros poemas e realizei a
primeira exposição de pinturas e desenhos, logo é natural que se tenha um
portfólio razoável. Peço licença para cometer a deselegância de apresentar
alguns números (apenas para poder responder melhor a pergunta): além da
meia-dúzia de livros que publiquei, há
poemas, contos, crônicas e artigos publicados em mais de 50 antologias,
coletâneas e livros didáticos; já são mais de 100 exposições entre coletivas e
individuais, com desenhos, pinturas, infogravuras, fotografias e poemas
visuais; contribuições em mais de 20 obras audiovisuais e participação em mais
de 300 ações culturais das mais diversas. Vai daí que antes de completar 4
décadas vivendo nessa bolinha azulada perdida no espaço, eu já havia realizado
todos os meus sonhos, simples assim. Quando cheguei a essa conclusão, meio
absurda, confesso, me dei de presente uma peregrinação pelos Andes, onde fiz
também o chamado Camiño Inca, na
tentativa de expiar um pouco dos meus muitos pecados. Depois de dias trilhando
a cordilheira, chegamos ao santuário sagrado de Machu Picchu e ao atravessar a Puerta del Sol, em vez de sentir alguma
iluminação espiritual, lembro apenas que dei um grande peido e a única coisa
que me pareceu fazer sentido foi seguir em frente na vida, fazendo o que já
fazia, interferindo nos átomos da realidade que me afeta (o caos do mundo
mesmo) proliferando os fótons e pixels de minhas poéticas idiossincráticas,
sincréticas e quânticas. Quanto às
metas, não revelo mais, apenas vou fazendo o que é possível, numa equação
cotidiana entre o desejável versus o improvável.
BAP3: De onde vem a sua arte, o seu criar, o seu
compor? De fora para dentro, de dentro para fora ou as duas coisas?
Td’B: Vem de uma perturbação
interna que, na falta de uma definição melhor, diria que se trata de um tipo de
conflito entre a necessidade de compartilhar com meus semelhantes os insights criativos espontâneos e o
sentimento de uma completa inadequação a realidade circundante, no que se
refere as complexidades políticas, o sistema capitalista, a cultura de massa e
a sociedade consumista. Eu simplesmente não aceito essa civilização que está
aí. _Senhores do mundo, eu vos desaprovo!
As pessoas estão cada vez mais duras, frias e intolerantes e não quero fazer
parte de nada disso – acredito em abraços, encontros de retinas e palavras
meigas. Assim, a maior parte de meus trabalhos são propostas que possam
produzir emoções estéticas e reações poéticas nos outros, num arco temático que
vai da sexualidade à espiritualidade, do orgasmo ao nirvana, mas uma parte mais
específica, mormente na Poesia Visual, é onde apresento uma relação mais
crítica e propositiva com o mundo, numa chave que oscila entre a ironia e algum
humor, “de fora para dentro”, pois antes de qualquer coisa sou um cidadão como
outro qualquer, que tem no mínimo o dever de tentar contribuir positivamente na
transformação de nossa realidade mais próxima, onde estamos imersos até a medula.
O escritor Luiz Eduardo Caminha já publicou que sou um sujeito “inquieto”, digo
apenas que há um esforço consciente para provocar o subconsciente e instigar as
tempestades de neurônios que provocam a arte de “dentro para fora”.
BAP4: Leo
Lobos, poeta e pesquisador chileno, diz – com toda razão - que você é “um dos mais prolíficos criadores brasileiros vivos”. O que ainda falta para o Brasil todo reconhecer, de
forma incontestável, o seu imenso valor como artista?
Td’B: Talvez tenha publicado isso
por ser uma pessoa generosa e de uma grande paciência também, pois lembro que
quando tive a oportunidade de declamar poemas com ele a Cristiane Grando, no
Congresso Brasileiro de Poesia de 2003, em Bento Gonçalves, com a maior
presteza me ensinou a quantidade ideal de vinho dentro da taça para usufruir
melhor a experiência da degustação. _Salud,
maestro! Dizem que o poeta Jairo Martins, que presenciou a cena, até hoje
enche três quartos da taça, nos saraus em que é conhecido por soltar o verbo com
sua poesia lírico-filosófica... Mas é preciso reconhecer o trabalho de Leo
Lobos como ativista cultural latinoamericano e em especial sua dedicação em
pesquisar a literatura brasileira contemporânea, da qual é um dos melhores
tradutores para o idioma de Neruda, Gabriela Mistral e Vicente Huidobro. Quanto
a um possível “reconhecimento”, prefiro desconfiar um pouco de muitas
homenagens, medalhas, academias, e aparições midiáticas, pois vejo diversos
pseudoartistas surfando essas benesses da vaidade, como se isso fosse um fim em
si mesmo. Mesmo tendo minhas criações, nome e até imagem veiculadas algumas
vezes em meios de comunicação de abrangência nacional, a verdade é que eu
próprio dificulto o jogo, recusando-me a fazer parte de certas panelas de
curadores ou igrejinhas de editores. Atuo em outro conceito: se um texto ou
imagem tiver qualidade, que caminhe por conta própria, pois as pessoas de algum
modo vão reproduzir e fazer circular, como de vez em quando acontece....
BAP5: Com um currículo extenso como o seu, com atuações em
praticamente todos os segmentos da arte, por que cursar uma faculdade de
audiovisual? Você não deveria estar dando aulas ao invés de assisti-las?
Td’B: O que podemos chamar aqui de
“currículo extenso”, gosto de acreditar que é apenas a ponta de um iceberg em
relação as coisas que ainda quero fazer, gosto de crer que o melhor ainda está
por vir, diante da brevidade de nossa vida e da finitude das coisas. Talvez por
isso, o poeta Renato Gusmão, de Belém do Pará, escreveu sobre meus trabalhos
dizendo que “sua produção não tem fim, é um filme de longa
metragem com infinitas partes”. Tenho inclusive escrito
recentemente propostas que já sei que não realizarei em vida, mas que deixarei
para quem quiser materializar. Para mim, parece absolutamente normal que nessa
era de multifacetação em que vivemos alguém tenha interesses diversos na arte,
uma linguagem apenas não me basta e isso meio que é um contraponto a
necessidade de certas instâncias legitimadoras da cultura em tentar rotular tudo,
indexar as produções, catalogar segmentos e enquadrar indivíduos. Não respeito
nada disso, prefiro a festa órfica da vida cultural sem contornos definidos,
onde as expressões se interpenetram, se diluem e se contaminam. Porém,
diferente de uns e outros que atiram para todos os lados pra ver se acertam
alguma coisa, sigo fazendo apenas duas coisas: textos e imagens, nada mais do
que isso, já que essas duas vertentes comunicativas depois encontram as formas,
suportes e mídias que qualquer um pode aprender e utilizar. Eu já dei aulas
muitas vezes. Já fui professor de desenho, de fotografia e ministrei várias
oficinas literárias, o que ainda faço eventualmente, quando a agenda permite.
Agora, estudar Cinema nessa altura do campeonato, não tem outra explicação:
paixão incurável!
BAP6: Você morou em 14 cidades, percorreu 20 países... como
você vê a questão da educação da arte no Brasil? Se é verdade que talento não
se ensina, você acha que é possível ensinar arte nas escolas?
Td’B: Essa falta de sossego que tantas
vezes me levou a deambular por aí, talvez tenha a ver com aquele axioma do
velho Lao Tsé, quando dizia que “um bom viajante não tem planos fixos e nem
a intenção de chegar”. Ultimamente tenho conciliado um pouco melhor essa
coceira na sola do pé com a necessidade de desatar as linhas do horizonte,
participando de atividades culturais onde quer que me convidem, seja como
jurado, falando em mesas-redondas, realizando mostras coletivas ou ministrando
oficinas. A educação em nosso país, evidentemente vem sofrendo retrocessos, com
imensos cortes de verbas do governo, resultando em greves graves – ou graves
greves – sucateamento das instituições públicas de ensino, desvalorização dos
professores, evasão daquele alunado que depende de políticas públicas de acesso
e permanência e uma incoerência total, pra não dizer traição da pátria, entre
as promessas de campanha e o que de fato se aplica na educação por parte de
quem está no poder e lá foi colocado por nós mesmos, que continuamos ingênuos
votando menos em projetos e mais em personalidades populistas. São questões de
fundo como essas que têm dificultado o ensino de Arte país afora. Some-se a
isso a quase inexistente conexão entre o que é produzido academicamente em
termos de pesquisa e o acesso a esses conteúdos pela população que, aliás, é
quem paga por tudo isso. Por exemplo: você que está nos acompanhando até aqui,
quantos artigos acadêmicos você leu este ano, ou quantas pesquisas científicas,
digamos no campo da poesia ou das artes visuais, produzidas em universidades,
chegaram até você? Ensinar Arte não só é possível como uma necessidade de
primeira ordem e deveria entrar de forma transversal em todos os estágios da
formação humana, da pré-escola até a o último dia do pós-doutorado. Já a
questão do talento, como não sou pedagogo, minha visão do assunto é limitada:
ainda temos essa crença poética dos dons, das vocações, dos gênios etc, mas o
que existe de produção científica sobre isso aponta que o que chamamos de
talento são tendências que qualquer pessoa pode desenvolver em qualquer idade,
desde que haja motivação interna e externa, ou seja, vontade pessoal aliada a
estímulo do ambiente. Melhor dizendo: condições para que a pessoa possa
estudar, experimentar, produzir e difundir suas criações autorais.
BAP7: Você escreve, desenha, filma, fotografa, pinta e
borda. Existe alguma coisa que você ainda não tenha feito e que gostaria de
fazer? O quê?
Td’B: Não é verdade esse lance aí
dos bordados, viu! Artista multilinguagens ou artista multimídia são termos utilizados
para pessoas com esse perfil, para quem se dedica a diversas expressões
criativas, suportes variados ou meios de difusão. Haja rótulos nesse mundo
pós-contemporâneo... Lembro que quando saí do serviço militar obrigatório, onde
estive perto da morte algumas vezes, fiz uma lista das coisas que queria ver,
fazer, visitar, realizar na vida. Havia itens como “estar frente a frente com
“O Quarto do Artista”, de Van Gogh; amar uma linda mulher; navegar pelo
Amazonas; testemunhar um milagre; ver um disco-voador; fazer teatro; conhecer
outro país; e coisas do tipo. Acho que a vida me foi generosa no sentido de que
pude cumprir essa lista quase toda. Diria que em qualquer campo da experiência
humana, quando se deseja algo com muita força isso é proporcional a
possibilidade de concretização. Vou cometer a indiscrição aqui de não responder
exatamente quais planos e metas tenho para realizar ainda, embora possa afirmar
que são vários, em diversas frentes, principalmente no campo da arte. Melhor
deixar que essas surpresas encontrem quem acompanha minha produção. Já sobre
aquela velha lista, bem, não custa informar que até agora não apareceu nenhum
OVNI... e das atividades em si, mesmo depois de ter voado pelos ares, saltado
de paraquedas, de asa delta, de parapente, de parasail, de bungee jumping, de
helicóptero e de avião monomotor, está faltando uma experiência aérea, que pode
inclusive ser coletiva: voar de balão. Quem vem nessa e quando faremos isso?
BAP8: Foi você mesmo que se descobriu um artista multitalento
ou você teve um mentor (ou uma referência), enfim, como a arte surgiu na sua
vida e como ela foi se delineando?
Td’B: Mentores: não! Referências: não! Influências: inúmeras! Picasso, esse extemporâneo, dizia que (em tradução livre): “todos
nascem artistas, o desafio está em fazer com que a criança permaneça assim”.
Vamos então a alguns recortes da memória: cena 1 – o pequeno Tchellinho, na
terceira série do curso primário (Itajaí, SC), na aula de português, como todos
os coleguinhas, escrevia também suas ‘redações’, de tema livre, uma página.
Após as correções, adivinhem qual aluninho a profª. Teresa mandava ir para a
frente da sala e ler para toda a turma? Cena 2: aos 14 anos, morando na serra
catarinense (Lages, SC) pense num adolescente que desenhava super heróis com
giz no quadro negro, no intervalo das aulas. Daí, foi um pulo para ganhar
diversas edições do concurso de desenhos da TV Planalto e assim receber uma
bolsa municipal para o curso de Artes Plásticas, na Escola Flodoardo Cabral.
Nova cena: já no curso Científico (hoje, Ensino Médio), ganha um like quem arriscar qual estudante foi
convidado para criar a logomarca da Feira do Livro da cidade. Cena bônus: no
quartel, aquele jovem que integrou a PE no 1º Batalhão Ferroviário escrevia e ilustrava os manuais de
instrução da tropa. Cena final, ou quase: depois, já na vida civil, trabalhou
por anos como desenhista têxtil e ilustrador em empresas e agências. Mas... ah
se não fosse o mas, sempre revoltado, insurgente, subversivo, e paralelamente
publicando poemas e desenhos em fanzines e publicações alternativas. A primeira
exposição foi na Furb, já morando em Blumenau,SC, cidade em que eu teria
“nascido como artista”, de acordo com o crítico de Artes Vilson do Nascimento,
da ABCA. Assim, Blumenau, Maceió, Belém e Rio de Janeiro são as cidades em que
produzi minha obra e guardo com todas entrelaços afetivos e muita cumplicidade
com os que para sempre chamarei de amigos.
___
Entrevista
realizada pela equipe do BAP.
Chris Herrmann, Denise Moraes, Lourdes Rivera e Marcelo Mourão
sensacional! há pessoas que nascem para criar e emocionar; há pessoas que, como você, tornam-se mestres nestas artes... parabéns, Tchello!!! Parabénsm Chris, Denise, Lourdes e Marcelo!!!
ResponderExcluirEquipe BAP, obrigado por essa oportunidade de teclarmos um pouco sobre arte e vida, nesse espaço cada vez mais poético. _Evoé!
ResponderExcluirTchello sempre otimista e transmitindo essa riqueza para todos nós. Excelente entrevista que só acrescenta, um aprendizado. Parabéns!
ResponderExcluirOi querido, temos algo em comum rs também fui designada pela professora primária a ser a oradora da turma nos eventos escolares e outra: já andei de balão na Capadócia. Gostei tanto, que quero repetir a dose. Vamos nessa?
ResponderExcluirTchello é um Mestre - por mais que essa palavra, hoje, esteja um pouco desgastada - perseguindo o melhor de toda arte em que se habilita, sempre de maneira, criativa, emocionante e prazerosa. Pessoalmente, é uma das pessoas mais gentis que conheço e ser seu amigo é um privilégio. Parabéns ao BOCA A PENAS pela oportunidade de aprendermos com esse grande artista.
ResponderExcluirAdorei a entrevista. É um enorme prazer ler as coisas / respostas do Tchello. Sempre nos surpreendem em algo e sempre deixa um mistério no ar... ( coisas de Tchello!)
ResponderExcluirPara variar, inteligente, prolixo e divertido esse rapaz. Vai longe! E de balão, de preferência. Risossss. E que esse voo do balão o trague e o traga mais inspirado - como se fosse possível...ah!
Gostaria de parabenizar à equipe do BAP pelas excelentes perguntas e ao Tchello pelas brilhantes respostas.
Parabéns e sucesso a todos.
Beijos!
Andrea Lucia Guarçoni